26 setembro 2011

Boa limpeza, Boa comida.


Todos os novos candidatos à Itamae (Cozinheiro Japonês), no Japão, começam a trabalhar pela pia em restaurantes tradicionais. Não importa se você sabe ou não cozinhar. Não importa se você foi o melhor aluno da escola de gastronomia. Vai começar a trabalhar por baixo. Lavar louça, lavar a cozinha, organizar os pratos, cerâmicas, copos, arrumar geladeira, fracionar legumes, verduras, peixes, carnes, sem falar na manutenção de todos os materiais. Culturalmente, o novato, chamado de OIMAWASHI ou BOUZU, segue também a rígida hierarquia entre a equipe. Não importa o quão está atarefado o seu serviço. Um superior pede para comprar cigarro na esquina, deve largar tudo e obedecer. E detalhe, aos berros. Errou, toma bronca. Errou de novo, os superiores te dão uma surra.

Mas hoje vamos falar de Limpeza. A higiene é fundamental em ambiente de manipulação de alimentos e isso todos sabem. Mas os japoneses, não enxergam apenas como uma obrigação legal. Mas sim, pela organização mental.

Por exemplo, um determinado prato de cerâmica, uma panela, uma concha ou uma grelha, tem a sua diferença no manuseio na hora de lavar. Não falo apenas na diferença de produtos de limpeza. Mas na força que você aplica na hora de esfregar com a esponja. Só nisso, já começa um grande aprendizado, o que futuramente pode influenciar na comida que for preparar. Um mesmo peixe, tem as suas diferenças na hora de limpar e abrir. Assim como lavar a louça, tem a sua sequência. A organização, naquele pequeno espaço chamado pia, tem de ser metódico. Facas ou objetos cortantes, você deve lavar primeiro e enxaguar de imediato. Nada de deixar empilhado com as outras coisas ou pior, dentro de uma panela. Depois os objetos frágeis, como porcelanas, cerâmicas, taças. Tem que esterilizar, tem. Mas muito antes de disso, você pode economizar, água, detergente e a força. Uma frigideira que vem para a pia, pelando de quente, lave imediatamente. Enquanto o calor ainda permanece no metal, toda a gordura, sai com facilidade. Recipientes difíceis de lavar, como jarras de sakes, já deve estar de molho, antes de tudo. Uma panela usada e bem quente largado na pia, pode causar acidente. Sem querer uma outra pessoa, pode segurar a alça e queimar a mão. E assim, cada material, tem o seu cuidado particular, e faz com que o Oiwamashi, tenha que usar a cabeça muito antes de começar a cozinhar. Na verdade, lavar a louça já é um treinamento para isso.

É muito diferente de você cozinhar em casa, quando está com vontade. Só pensa no ingrediente, no tempero e no preço que pagou por cada ingrediente. Mas se tratando de trabalho, o serviço, não fica restrito na mesa de preparo da comida. Mas o antes e o depois. No jantar que você faz em casa para os amigos, você pode até perder o dia todo preparando e lavar a louça no dia seguinte. Mas no restaurante, não.

Por isso o “Pia”, como é chamado aqui no Brasil, também tem essa mesma importância. Não se deve menosprezar esse serviço. Um bom “pia”, pode virar um bom cozinheiro.
Ainda que no Japão, muitos superiores, não ensinam o novato a preparar a comida, o que obriga à “roubar” as técnicas. Mesmo lavando a louça, fica de olho em como o os outros cozinheiros, limpam um peixe, por exemplo. Ao chegar uma panela na pia, ele logo enfia o dedo no fundo e lambe, para “experimentar”o tempero ou molho.

Então, caros iniciantes na cozinha de um restaurantes. Jamais subestime o trabalho na pia. E lá, muitos segredos se escondem. Tem muita coisa, que não é ensinado em escolas de gastronomia. Aprendemos a teoria, usamos os nossos 5 sentidos. Mas tem muita coisa que o corpo aprende sozinho. É o mesmo que dirigir um carro. No começo, prestamos atenção e olhamos até para o pedal do freio. Mas com o tempo, seus olhos vão ignorar.

Força aos novatos!! E futuramente nos impressione com belos e deliciosos pratos.



02 setembro 2011

Tempero, destempera!!


Sabe aquele tão esperado final de semana chegando e ainda estrear o novo apartamento chamando os amigos para um jantar? Você até acorda mais animado e logo de manhã, corre para o Mercadão, para comprar os ingredientes mais frescos. Dá uma olhada em tudo e descobre mil coisas saborosas para incrementar a recepção. Compra até flores para enfeitar , pois você conseguiu ótimos preços. Mesmo bem longe da sua casa, valeu muito a pena atravessar a cidade, pois não vê a hora de começar a preparar os vários pratos para o sábado de noite. Duas entradas, prato frio, prato quente e a sobremesa. Escolhe bons vinhos para harmonizar com os pratos.

Praticamente, você pesquisou em vários sites, programas culinários a semana toda para a grande noite.

Mesmo com várias sacolas, caixas uma mais pesada que a outra, não tem nada que atrapalhe o encanto, pois hoje a noite, vai poder ver vários rostos sorrindo e dizerem: “Nossa a comida está maravilhosa!!!”

Vamos para a cozinha e preparar a carne. Limpa tudo, corta as peças na medida certa, sempre acompanhando as anotações que você fez no computador. Mesmo com temperos já prontos, hoje você optou em fazer o próprio e do zero. Só isso, já custou uma boa parte da manhã. A carne está pronta e vamos colocar no forno. Ajusta aqui, ajusta ali e vamos acompanhar. Não pode esquecer que a cada 15 minutos, você precisar dar uma virada na peça para não ressecar. Mesmo num total de sete horas no forno, vai valer muito a pena, quando ouvir os elogios dos convidados.

Enquanto isso, vamos ao prato frio. Mesmo uma simples salada e uma cabeça de alface custando R$ 4,20 vale a pena. Todas verduras cuidadosamente lavadas, secadas em panos novíssimos, enquanto vamos cozinhando os legumes. Ah, não podemos esquecer o peixe para fazer um Carpaccio.

Aos poucos, a sua cozinha fica bagunçada e a pia repleta de utensílios, mas que vai valer muito a pena. Não podemos esquecer do gelo para resfriar o vinho branco.

Já se passaram 5 horas e você todo descabelado, mas firme no fogão. O cheiro está muito bom!!! Quase toda a comida está ficando pronta. Até o sorvete de frutas vermelhas que você comprou de manhã, já está bem durinha.

Uma hora antes dos convidados chegarem, você começa a preparar a mesa. Desde os caríssimos pratos importados, que você trouxe com muito cuidado, na última viagem à Europa, às taças de cristais. Talheres posicionados na distância certa. Pode muito bem ser contratado por um renomado restaurante.

Quando você sai do banho e coloca a melhor roupa que você tem, os convidados chegam. É o momento mais esperado em receber no novo apartamento. Todos comentam o espaço, a mobília, as fotos da viagem, a gigantesca TV e vários outros itens. E o melhor, você constata que todos estão famintos. Então...

Vamos à mesa. Você orgulhosamente posiciona os pratos no ângulo certo para que os convidados possam apreciar melhor. Todos ficam deslumbrados com a porcelana importada e começam a comer, comentando sobre a grande final do campeonato de futebol. Você nota que, um quase que acaba com o saleiro. Outro despeja o azeite, pois ama. Outro simplesmente não toca na salada, pois odeia.

Bom, tudo bem. O importante mesmo é a carne. E quando chega a hora, o povo cai matando. São braços e braços cruzando a mesa, como se fosse de casino. Molhos pra lá, sal pra cá, não sei o que pra lá. Aquela carne que você custou a memorizar, um tal de Kobe Beef, foi mascarado por tanto condimento que, fatalmente os convidados não notaram a diferença. Nem ao mesmo a maciez da carne, pois a TV estava ligada bem alto, pois tinha começado o jogo. Mastigavam rapidamente a comida, quando o jogo parava. Mais molhos, mais condimento para aguentar tanta emoção da final. Uns dois já se levantaram e foram comer no sofá. Outros pararam de comer.

E ao final de tudo, todos eles agradeceram a maravilhosa noite, pois o time ganhou. A comida estava: “Excelente”, foi o único comentário do jantar.

Daí você olha para a mesa, que mais pareceram porcos que haviam passado por lá. Se juntasse todo o caldo da carne com o molho, daria para encher uma jarra.

Apesar de todos convidados terem saído satisfeitos, algo dentro de você te incomoda, e bastante. Todo aquele trabalho, o dia todo na cozinha, o planejamento feito a uma semana, acordou cedo, atravessou a cidade, a pequena fortuna gasta, para que os convidados simplesmente não notassem absolutamente nada, pois com tanto condimento, mesmo que botasse uma carne de segunda, não faria a mínima diferença. Eles tem culpa? Não.

Daí eu pergunto, depois de todo esse relato.:

“Você faria uma Caipirinha de Sake?

Pense nisso, antes de tomar.

Texto incentivado por Dalmo, do Restaurante Navegantes em Piracicaba, SP. Visite: www.navegantesrestaurante.com.br