16 setembro 2008

Cultura sem Tempero


Fui jantar em um restaurante de um grande amigo meu, e me sentei no balcão. Uma dica é ficar bem na frente onde ele trabalha. Assim posso pedir qualquer coisa a qualquer momento sem ter que esperar passar na minha frente. Não é a toa que os assentos no balcão são no máximo 10. Minutos depois chegou um grupo e se sentaram ao meu lado. Pareciam vir depois do trabalho pois estavam de terno e gravata. Eu lá saboreando um Hakutsuru Josen Honjouzou e uma porção de sunomono, fiquei lá vendo meu amigo cortando sashimis e escutando um dos membros do grupo, que deveria ser o anfitrião. Falava quem vem sempre aqui, que 4 vezes por semana come comida japonesa, que já jantou na maioria dos restaurantes de São Paulo. Pensei "Taí um cara que conhece bem a culinária japonesa". Fiquei observando a conversa e quem sabe conhecer o grupo.

Então a moça perguntou ao "falante" o que ele sugeria. Respondeu que o niguiri de Unagui era formidável. Perguntou se o Unagui era um peixe. Respondeu que sim e que viviam em águas profundas e de difícil acesso. Para isso grandes barcos vão até o alto mar e lançam redes, mas muitas vezes não tem sucesso. Eu fiquei lá pensando. Deve estar confundindo com o Anago, que vive em águas salgadas, pois o Unagui, vive em mangues e com audição de extrema sensibilidade o que obriga a se esconder dentro de buracos na areia em momento de perigo. Para se ter uma idéia um pescador amarra uma linha numa vara e este fincado no fundo. No anzol pequenos camarões. Voltam no dia seguinte e recolhem uma por uma. O percentual de sucesso é de 30%. Por isso muitas enguias são criadas em cativeiro o que encarece o preço final.

Voltando para o balcão, quando o chef serviu a dupla de sushi de Unagui, novamente o "falante" instruiu para que a iniciante pegasse o sushi e molhasse no shoyu antes de comer. Eu olhei para a cara do chef e ele também reprovando com os olhos para mim. Você não colocaria catchup na macarronada.

Bom o meu conceito que tinha por ele desabou. Isso porque foi só o começo. Pediu saquê com sal, reclamou ao chef que o bolinho de arroz vinha pouco, que o Gari (gengibre em conserva) não estava muito doce, enfim um tremendo "Falante"!!! Aproveita a ignorância dos outros e se mostra o expert no assunto.

Depois que o grupo foi embora, ficamos conversando.

- Você não se sente incomodado com tanta desinformação?
- O que você quer que eu faça?
- Tenha a paciência de explicar de forma que não ofenda a pessoa.
- No começo eu fazia isso. Mas chega uma hora, que se o cara ta pagando, eu não discuto mais.
- Aí fica essa zona com cultura do sushi. Essa gente está carente de informação. Você viu todo o trabalho no Japão e tem a obrigação de transmitir aqui.
- Como você faz com os saquês?
- Um por um, explico como se deve tomar, sugestões, ocasiões, etc. Chego a repetir as mesmas frases 20 vezes por dia. Mas prefiro que as pessoas saibam como tomar. Depois se o cara quiser fazer uma caipirinha com uma garrafa de 300 reais, fica a critério dele. A gente não tem como mandar nas pessoas e nem devemos. Mas não omitimos a informação.

Será que estou exagerando?