14 outubro 2008

Conceito em ter Conceito


Dois meses atrás, recebi uma ligação de um velho amigo pedindo ajuda. Me contou que está em Kyoto como aprendiz de Itamae, em um pequeno Ryoutei. Rala o dia inteiro, praticamente perseguido o dia todo pelos seus superiores. Mas disse que recentemente, o Hana-ita (Chefe da cozinha) resolveu fazer uma competição interna, onde todos tinham de preparar um prato um pouco diferente do padrão para a casa. Na verdade o chefe aproveitou um pedido especial de um cliente que fez questão de fazer um pedido inusitado. Daí aproveitou para testar os conhecimentos de sua equipe. O chefe mesmo já sabia o que fazer, mas entregou o desafio para todos.
O prato escolhido seria servido para o cliente, que por sinal é um gourmet famoso que já jantou em quase todas as casas de Kyoto. O vencedor seria promovido e o meu amigo não perdeu tempo. Imagine sair de uma posição de OIMAWASHI (Perseguido) que dividia com mais 3 pessoas. Seria um alívio tanto para o serviço quanto para o bolso.
Uma semana era o prazo e todos começavam a buscar os melhores ingredientes. O tema passado era KATSUDON ou carne de porco à milanesa sobre uma tigela grande arroz coberta de ovos derretidos com verduras. Claro que os seus superiores teriam mais chance de fazer alguma coisa melhor, pois tinham mais experiência.
Então já com dois dias passados, correru atrás dos fornecedores para pegar a melhor peça de lombo de porco. Ah, o custo saia do bolso de cada um. Logo as melhores partes custavam uma fortuna. Seus colegas, já torravam dinheiro para comprar o melhor ovo jumbo, cebolinhas de outras regiões do Japão, carne de porco da província de Niigata, enfim. Uma correria para a promoção. O Segundo posto mais alto, o TACHI-ITA, comprou uma tigela de um ceramista famoso. Outro pediu para mandar o melhor arroz do país. E o meu amigo, a melhor ajuda de Deus, pois não conseguia pensar em nada diferente e que cabia no bolso dele. Então veio a luz no fim do túnel. Ligar para mim. Me passou toda a história e implorou ajuda. Disse que fulano, comprara uma tigela valioso. Outro comprou uma duzia de ovos que dava para comprar uma moto usada. Carne de porco não sei daonde. Reclamou que os outros tinham muito mais vivência no ramo.

Poxa eu entendo de saquê, mas de comida não é o meu forte. Mas o que a gente não faz pelos amigos, não é mesmo? Foi aí que enquanto ele reclamava pelos cantos, eu interrompi e disse:

A competição é por equipe ou individual? Pelo que me passou é para você produzir o prato. O seu maior adversário, são os ingredientes e não os outros. Trata de pesquisar os temperos, os molhos. Na verdade o que importa é se toda a combinação está equilibrado ou não.

Parece que ele despertou e resolveu sair pesquisando em outros restaurantes. Viu que todos tinham alguma coisa em comum. Voltou à cozinha e começou a preparar. Pegou tudo que tinha na geladeira e foi fazendo.

O dia chegou e 7 porções estavam diante do chefe, para que pudesse degustar. Claro que não comeu tudo. Mas analisou visualmente, depois o sabor. E qual que ele escolheu? O que meu amigo fez. Ninguém entendia o porque, inclusive ele. Mas quando chegou a noite, o Chefe mesmo se encarregou de levar e todo o resto da cozinha, ficou no balcão.
Após o cliente limpar as mãos com o oshibori, abriu a tampa da tigela e abriu um sorriso. Sem parar de comer, nem sequer tocou no copo de chá, raspou toda a tigela. Limpou a boca e disse:

Está aprovado. Na verdade, queria testar se seus itamaes sabiam da essência da gastronomia. Todas as casas que pediu o Katsudon, trouxeram carnes de porco de excelente qualidade, com uma esspesura de travesseiro. Arroz de Niigata, que é o mais caro, ou uma cerâmica de 100.000 ienes. Mas o Katsudon, não é um prato sofisticado. Por isso, deve ter equilbrio tanto no preço, quanto na imagem da comida. Não são os ingredientes ou utensílios que vão fazer a diferença, mas o conceito.

A moral da história. Não adianta servir arroz, feijão com bife e batata-frita, usando os melhores ingredientes importados, e em cima de cerâmcas especiais. Tudo tem que seguir um conceito.
E você, meu amigo, o que interessa realmente?