29 janeiro 2011

O Verdadeiro Conceito


Esse episódio aconteceu e um tradicional restaurante de Kyoto, onde se atende apenas 34 clientes por noite. Por isso, é uma fila na reserva. Uma boa e cara comida, mas justificável, por servir excelentes ingredientes e uma ótima mão-de-obra. Vale cada centavo gasto. Mas como em qualquer estabelecimento gastronômico, tem épocas que todo o trabalho cai na rotina. Com tantos clientes de diversos pontos do país e do exterior, a correria por toda a casa, faz com que muitos esqueçam o principal ingrediente: O Conceito.


Não digo conceito como releitura de pratos ou modismo. Mas o real valor de todo um trabalho, preservado por décadas.


Num belo dia, um senhor com a sua bengala, se acomoda sozinho em um “ozashiki”, sala vip de tatame, que cabe 4 pessoas. E pede para trazer, o que há de melhor no dia, o Menu Degustação ou chamado em japonês de Kaiseki Ryôuri. Aparentemente, não tem cara de rico ou um gourmet. E ainda por cima, pede para a proprietária comparecer ao ozashiki e solta:


“Se eu não ficar satisfeito, eu não pago!”


Prontamente, aquela senhora tão rígida e tão brava, aceitou a proposta. E mesmo após o início do serviço, ela ficou sentada próximo ao cliente, fazendo companhia para os 9 pratos que chegavam pausadamente. Após encerrar com um bom chá verde, ele diz: “Não vou pagar!” E a dona, aceitou, de olhos fechados. Não fez cara feia, não fez escândalo, o contrário do pessoal da cozinha. Enfurecidos, queriam saber através na “Nakai – garçonete de kimono”, o porque da insatisfação. Mas sabia que o cliente, não havia dito.


Na semana seguinte, aparece o mesmo senhor, e quando todos da cozinha souberam da presença dele, ficaram alerta. Chegaram a trocar vários itens do menu, oferecendo o melhor dos melhores ingredientes. A melhor parte, a melhor peça, a parte mais fresca. A proprietária o acompanhou pacientemente, enquanto o velhote, magrinho que só, devorava todos os 9 pratos. E mais uma vez: “Não vou pagar!”. Essa altura, alguns da cozinha, já queriam chamar a polícia, quando o Tateita (Sub Chef) reuniu todo mundo:


- Temos que bolar um plano. Não é possível, que aquele “velho”, não tenha gostado de nenhum dos pratos. Talvez, a forma de apresentar. Pode ser a quantidade. O sabor pode estar forte demais.


Realmente todos estavam participando, independente da sua posição ou tarefa. As garçonetes, tentavam achar, onde estava o defeito nos pratos. Também recobraram nas próprias posturas ao entrar na sala. Todos estavam com os nervos a flor da pele. E mais uma noite, o velho: “Não vou pagar!!” Talvez o cliente tenha dito alguma coisa à dona. Mas ela se reservou a guardar como segredo.


Na noite seguinte, já sem esperanças para agradar aquele filho da mãe, o Hanaita (máster chef) olhou para todos: “Vamos fazer uma comida gostosa. Vamos caprichar, mas dentro do que é o nosso estilo. Não vamos esquecer de nenhum item. Vamos jogar todo o nosso sentimento na comida. Quem sabe, a gente não transmite a nossa mensagem?” E lá foram todos, empenhado dando o melhor de si.


Começou novamente a degustação e o velho, sem alterar a sua fisionomia. Comeu tudo, tomou o chá verde, abriu o seu paletó e tirou um envelope recheado de notas de 10.000,00 ienes. Deixou em cima da mesa e pediu a dona, que o recolhesse.


- Não posso aceitar. Desejo que o senhor guarde o envelope, pois nos proporcionou uma coisa tão valiosa, que o dinheiro não compra. A união de todos nessa casa. Fazia tempo que não via aquela cozinha tão unida. Todos batendo a cabeça, empurrando ou puxando, quando na verdade, era só manter o nosso estilo. E também prefiro não contar a eles, que o senhor finalmente aprovou o prato. Assim, nunca vão esquecer.”