14 dezembro 2011

Gastronomia na Barraca


Yatai de Oden (Cozido de Legumes e Massa de Peixe)

Assim como muitos não tem paciência de entrar em um restaurante, bem vestido, mantendo a pose, fazer o pedido, beber um drink, aguardar o prato, pedir ou não a sobremesa e pagar uma conta alta, há aqueles que optam pelos Izakayas para comida japonesa e os botecos. 

Porém no Japão, há aqueles que nem para isso tem paciência. Querem e precisar comer algo. Mas que possa encontrar no caminho de casa. Não querem se encontrar com gente estranha. A salvação são os Yatais. São carrinhos que mais lembram uma barraca, feita de madeira, com compartimento para o gás, estantes para os pratos e tigelas, hashis e banquinhos para os clientes. Dependendo do que irá vender, uns tem uma chapa, outras panelas ou cubas de alumínio, ou churrasqueiras.

Yatai do Era Edo (1800 e bolinhas)

Digamos que tem de tudo que possa imaginar. Desde yakissoba, lámen, yakitori, takoyaki,  oden, tempurá, etc. Esses que eu listei, são os mais clássicos. Há aqueles que vendem doces, como Manjus, dorayaki, imagawa manju. Essa prática comercio informal é encontrado em quase todos os países. Menos em São Paulo, porque o prefeito não quer saber das tradições, e sim o quanto imposto não poderá cobrar desses carrinhos.

Essas barracas que podem ser puxados pelo próprio dono, moto ou mesmo um carro, ficam em pontos diversos. O mais comum, são pertos de saídas de estação ferroviário, metrô, centro empresariais. Com um forte movimento e o estresse dos japoneses assalariados, chamados de “Salary Man”, beliscam algo, antes de voltar para casa. Como se fosse um Happy Hour. E uma regra mandatória é TODOS OS YATAIS, servem bebida alcoólicas. Não tem refrigerante, muito menos suco. Para quem quiser, deve buscar nas máquinas de bebidas mais próxima. 

Na província de Fukuoka, no bairro de Hakata (cidade da minha avó), existe o chamado “Cidade dos Yatais”, tradicional redutos das barracas que atraem gente de mundo todo. Barracas um do lado do outro e pode-se comer de tudo!! Precisa-se de pelo menos 4 noites, para experimentar tudo. Pode pedir e levar embora, ou se acomodar em longos bancos de madeira ou banquinhos individuais.

Cidade dos Yatais


Mas eu vou contar da minha experiência que tive em um Yatai. Nessa mesmo bairro de Hakata, só que não da “Cidade dos Yatais”, fomos eu e meu falecido tio, andando pela estreitas ruas de Kasuya. E ao sairmos para a avenida, ao lado da loja de conveniência Seven-Eleven, tinha um Yatai que servia Yakitori. Eu amo esses espetinhos de frango com molho agridoce. Meu tio sabendo disso: “E aí? Vamos comer uns Yakitoris?” Aceitei quase sentando no banco de madeira toda gasta. O dono que ficava atrás da fumaça, nos recebeu com um puta sorriso e foi logo colocando 2 copos. Tomamos um shochu da cidade feita de Kuri, ou “Castanha Portuguesa”. Forte, encorpado, porém com um aroma doce e perfumado. Puta que o pariu!!! Muito bom. 

No Yatai, você não faz pedido. Vai apontando o que quer e o dono vai colocando no seu prato. Usa-se o mesmo hashi, o mesmo prato, sem nada de frescura. Pode-se estar até de pijama, que é atendido.
Eu só sei que provei o melhor Yakitori do mundo!! Frangos assado na medida certa. Sequinho por fora, mas ao morder, vem o suculento sabor misturado com os legumes. E o molho? Doce no começo, mas apimentado. Um molho, assim como o de Unagui (Enguia de Água-doce), usam até a metade da panela e depois re-tempera. Ou seja, o mesmo caldo pode durar décadas e jamais será reproduzido se acidentalmente for perdido. Não só para esse tipo de Yatai, mas restaurantes especializados em Yakitori e Unagui, em caso de incêndio, a primeira coisa que o proprietário tenta salvar é a panela do caldo., já que outras coisas podem ser substituídos ou comprados. Foda, né?

Daí eu fico lembrando. Quando vou comer algo, quero comer bem. Não importa quem prepare, desde que com coração e muita vontade. Não me importo com utensílios, o balcão e provei que nem onde sento me importo. Uma boa companhia, divertida conversa, embalada por boas bebidas. O que mais precisa? 

Meu desejo, é levar uma pessoa para um Yatai no Japão, que tem esse mesmo pensamento que eu. “Boa comida e o resto foda-se!!” Meu amigo JB, o Seo Julio. Fatalmente irá adorar esse tipo de comercio e irá mandar cancelar todo o resto do roteiro. Por ele, passaria todas noites em um Yatai da terra do sol nascente.

E você. Conhece bem a gastronomia japonesa?





12 outubro 2011

Mestre Haraguchi - Do Miyabi ao Ban


(Vista interna do Miyabi antes da reforma)


O Miyabi
Já familiarizado com os ingredientes brasileiros e com técnicas originais japonesas, logo foi conquistando o público japonês e brasileiro. Ganhou fama e espaço em jornais e revistas, mas nunca se interessou.Ele conta que, além de não se achar um personagem importante ao ponto de aparecer em revistas, tinha uma sofrida restrição no idioma português, que dependendo de como fala, pode ficar ríspido. Por isso, não concede muitas entrevistas.

 No mesmo piso do Miyabi, funcionava o A-1, Pub Key, Curry House e o Komazushi, do mestre Hachinohe, que teve como discípulo, o Jun Sakamoto. E respeitando a política da boa vizinhança e amizade entre eles, não servia sushis no seu restaurante por cerca de 10 anos, até Hachinohe falecer. Depois voltou a oferecer sushis aos clientes e permaneceu por mais 4 anos. Veio então a notícia de que aconteceria uma mega obra no Shopping Top Center e que todos os restaurantes do subsolo, seriam transferidos para o piso superior. 

Alguns fecharam as portas e outros aguardavam ansiosamente a reabertura. O Miyabi também sofreu mudança e seu quadro societário. Um poderoso investidor entrou como sócio, o que remodelou a arquitetura da casa, num novo conceito. Bem diferente do que era antes, o visual do restaurante se tornou mais contemporâneo, mas mantendo o mesmo nível dos pratos.
(Balcão do Ban)


O BAN
Depois de sentir que o Miyabi estava decolando novamente e seguro de sua equipe, Haraguchi se retirou para ter o seu próprio cantinho, um lugar mais calmo e aconchegante, onde pudesse do seu local de trabalho, enxergar todo o movimento da casa. Desde de um tempo, já maturava essa idéia, como posição da cozinha, do balcão, mesas, pessoal e principalmente o cardápio. Tinha tudo na cabeça menos uma coisa. O nome do restaurante. Além de tentar bolar um bom nome, fácil de lembrar e que tenha um significado forte para Haraguchi, retornou ao Japão para se reciclar, ver os filhos que trabalham lá, e principalmente visitar o túmulo de seu mestre, Ban, que havia falecido à mais de 7 anos e que não achou uma brecha para voltar. 

Ao chegar na casa do mestre para depois seguir ao túmulo, tomou um susto. A cinzas estavam dentro de uma caixa de madeira e na parte alta do oratório. Ao perguntar o porque de não ter depositado em um templo budista, os familiares disseram que aguardava o Haraguchi voltar para então se despedir. Extremamente honrado pela tamanha consideração, respeito, carinho e a amizade de um mestre, que mesmo com todo rigor, sempre ofereceu calor humano e um amor de pai, durante o trajeto ao Templo Eihei, na Província de Fukui, Haraguchi já havia decidido o nome de sua nova casa. “BAN”.
Hoje Masanobu Haraguchi é referência na gastronomia japonesa no Brasil, onde vários cozinheiros japoneses que hoje são proprietários, já dividiram o mesmo espaço na cozinha. Perguntei à ele, quais as perspectivas daqui para frente, quando falamos da culinária japonesa. Respondeu:
“ Cada um deve dar o máximo de si para preservar a origem da arte japonesa. Não pode empurrar a tradição, para quem não quer. Devemos sempre equilibrar o conceito e o comercio. Ora um pesa mais, ora pesa menos. Sou apenas um mero cozinheiro, que faço o melhor que posso. Não sou nenhuma celebridade ou autoridade. Não tenho poder de julgar as outras casas, se nem eu conheço tudo. Vivo cada dia, como se fosse uma nova descoberta. E principalmente, faço o máximo para não cometer erros. Agora que coloquei o nome do mestre no meu restaurantes, a qualquer momento, pode voar um “gueta” na minha cabeça.” Conclui dando risadas.

(Casal Masanobu e Margarida Haraguchi)

Masanobu Haraguchi é certificado pelo governo japonês, como Cozinheiro Tradicional do Japão, que são poucos que tem essa formação e atuando no Brasil. Pensa também e lecionar a gastronomia japonesa aqui no Brasil, enfatizando a cultura e seus rituais.

E por último, estou certo de que Masanobu Haraguchi, junto de sua esposa, prestou uma belíssima homenagem ao Mestre Shuzou Ban com a abertura de uma casa com seu nome. Mas o mais importante é construir uma casa muito melhor que o Kagairou, quando começou. Esse é uma tradicional forma de gratidão à quem nos ensina.




Mestre Haraguchi - No Brasil


(Fachada do Retaurante Suntory)


Embarque para o Sonho
Em 1979, a tão esperada chamada pela Suntory veio e imediatamente, retorna para Osaka, o então quartel general da empresa, para assuntos internacionais. Descobriu que seria enviado para o Brasil e embarcou imediatamente em um avião da Pan Am e não em um navio, com milhares de escalas até chegar ao endereço, Alameda Campinas, número 600, no Jardim Paulista, São Paulo. E ainda como 2º Hanaita no Brasil, não teve tanta dificuldade, quanto o seu antecessor, que teve de traçar toda a linha, de como obter fornecedores, clientes e a contratação da equipe local. Pelo lado japonês, eram formados por 5 cozinheiros e 2 garçonetes. O restante do pessoal, contratado aqui no Brasil. 

Ao invés de se sentir deslocado, desorientado por estar num país diferente, outro idioma, outra cultura, Haraguchi estava tão maravilhado, que se divertia a cada dia, ao ponto de esquecer de dormir. Todo dia, uma nova descoberta. Frequentava o CEASA, hoje CEAGESP, o Mercado Municipal, todos os buracos da cidade e claro, juntavam-se aos outros jovens japoneses, e saiam para curtir a noite paulistana. Mesmo depois de vários copos de várias bebidas até as 2 da manhã, ainda tinha fôlego para ir ao CEASA, comprar os ingredientes.

Conheceu várias pessoas importantes, políticos, empresários e fora que o Suntory, era a referência máxima dos restaurantes japoneses de São Paulo. Tanto que muitos órgãos consulares, visitas de autoridades ao Brasil e inclusive, as refeições de bordo japoneses da Japan Airlines, eram feitos por Haraguchi e sua equipe.

Mas depois de 3 anos, o seu paraíso terminou. Com um contrato assinado no Japão, teve de voltar ao seu país, o qual ficou por 1 ano. Porém, por não ter substituto apto e a vontade enorme de voltar ao Brasil, lá vem Haraguchi para mais uma temporada como 3º Hanaita do Suntory de São Paulo. Praticamente reeleito e ficou até o ano de 1987, quando dois amigos, queriam que participasse de um projeto de abrir um novo restaurante japonês, na Rua 13 de maio. Porém a obra demorou quase um ano e nesse tempo, viveu no Rio de Janeiro e preparando refeições de bordo japonês da Varig, no Edo Garden.
(Menu Degustação)


Soltando o Cordão Umbilical
1989, foi o ano turbulento na vida de Haraguchi. Finalmente inaugurou o SEMBA que servia desde sushis, sashimis, até Teppanyaki. Muitos japoneses frequentavam, mas os poucos brasileiros que tentavam visitar, não sabiam o que pedir. Foi aí que Haraguchi, criou o OMAKASSE, ou “Menu Degustação”, que consistia em servir pequenas porções de comida japonesa, para que o público brasileiro pudesse experimentar. Hoje é tão comum, ver esse tipo de serviço, cobrado os olhos da cara. Mas inicialmente, a idéia foi de ajudar o público local a conhecer os diversos tipos de comida da culinária japonesa.

Mas a empreitada não durou nem um ano, quando um dos sócios, desistiu e pulou fora. E claro, a casa foi vendida. No mesmo ano, Haraguchi trabalhou por cerca de 4 meses no Sushi Yassu da Paulista, quando outros dois sócios o convidaram para trabalhar com ele. E depois de 4 meses, nascia o Miyabi, no subsolo do Shopping Top Center.

Também foi o ano que a primeira proprietária de um boteco japonês na Rua Barão de Iguape chamado de Izakaya Issa, bastante conhecida do Haraguchi, apresentou a Margarida Tago, que trabalhava numa loja de presentes e jóias no bairro da Liberdade. Amor à primeira vista e logo se casaram. O curioso que, Margarida é a atual e terceira proprietária do Izakaya Issa, depois de comandar por muitos anos, o Restaurante Goen, próximo de Jaguaré. 
(Acompanhe a 3º Parte)


Mestre Haraguchi - O Começo


(Entrada do Restaurante Kagairou)


O Elo Haraguchi e Ban
Um dos mestres da gastronomia japonesa no Brasil, ou “O” mestre de todos eles em minha opinião, MASANOBU HARAGUCHI é nascido no Japão em 1953, na Província de Miyazaki na ilha de Kyushu, sul do país. Também é a terra do Shochu de Soba, ou Trigo Sarraceno. 

A sua vida pela culinária, não se manifestava até o final do colegial, quando viu um dos vários anúncios da escola onde estudava, um folheto sobre recrutamento de cozinheiros em navio de passageiros. Ao certo diz ele, não lembra muito bem o porque de se interessar por esse trabalho. Mas que todos tinham que “escolher” um ramo, e ainda tinha um desejo enorme de conhecer o mundo. Lá foi ele se candidatar. 

Lógico que na época, existiam mais navios cargueiros que de passageiros. Aliás, muitos imigrantes japoneses que vieram ao Brasil, não fizeram um cruzeiro marítimo, mas sim, trabalharam em troca da viagem de 60 dias.

Ciente de que, mesmo chegando a oportunidade de conseguir a vaga, pensou em ter um pouco de experiência, antes de embarcar. Daí, procurou um Ryoutei (Restaurante Tradicional Japonês), em Osaka, chamado Kagairo (料亭 花外楼), onde trabalhava uma grande equipe de cozinheiros. Sem saber absolutamente nada, aventurou-se na cozinha aos 18 anos de idade.

Desde o primeiro dia, era uma gritaria em cima dele, faz isso, faz aquilo, todos judiavam do novato. A vida de um iniciante, era um verdadeiro terror. Tanto que hoje no Japão, quem entra na cozinha é chamado de Oimawashi, ou “Perseguido”. Na época, os novatos eram chamado de “Arriru” ou “Pato”. Corre para lá, corre para cá, sempre no chão molhado da cozinha e gritando “Sim senhor!!”. Como se fosse o escolhido pelo Hanaita ou Mestre Chefe da casa, o SHUZOU BAN  (伴 周三), pegava ele de cristo para mostrar aos outros, o que acontecia quando alguém errava ou esquecia um serviço. Massanobu Haraguchi, já viveu a sua época de “Saco de Pancada”. 

Conta ele que, quando errava um corte de um legume, imediatamente tomava golpes de cabo da faca, de seus superiores. Parecia mais uma marretada. Se esquecia algumas das milhares de ordens de seus vários superiores, tomava chute de “gueta”, chinelo feito de madeira. Panelas que acabavam de ser usadas e bem quentes, tinham que ser recolhidos para a pia o mais rapido possível. E quem disse que tinha paninhos para segurar a alça quente? Ia na mão mesmo e aquela correria. Mas também, acreditava que podia “roubar” o tempero dos cozinheiros veteranos, quando metia o dedo no fundo da panela e lamber para descobrir, o tempero, textura, cor e para que prato foi usado. 

(Logo da Suntory International Restaurant)




De olho no Suntory
E esse “inferno” durou mais ou menos 3 anos, pois o próprio Haraguchi, não lembra. Mas sem dar pio de reclamação, mudou gradativamente a visão dos superiores e do seu mestre Ban. “Bukiyou”, como Haraguchi se descreve, ele tinha uma grande dificuldade de pegar as coisas, diferente de seus companheiros. Apanhava mais, que os outros, até conseguir. E quando já se passou 4 anos, a maioria dos seus colegas que entraram juntos, não estavam mais ali. Nessa altura do campeonato, ele já se tornara um “Yakikata”, o responsável pelos assados de peixes, carnes e legumes. Um grande avanço para quem viveu o inferno na terra. Indiferente para quem faz uma escola de gastronomia, que tem vídeos, aulas práticas e todo um monitoramento de professores cordiais.

E mais um ano se passando, torna-se um “Nikata”, praticamente um aprendiz de cozinheiro. Porém, quanto mais se avança, mais difícil se torna a escalada. Acima desse posto, ainda existe o “Mukouita”, que limpa e prepara os peixes para sashimi e frutos do mar, tem o “Tateita” o sub-chefe, e o “Hanaita” que é a posição do Mestre Ban. Teria que aguardar alguém sair do restaurante ou morrer.

Passados 5 anos, e não vendo perspectiva de crescimento, consultou o Mestre Ban sobre um recrutamento da empresa Suntory, que mandavam cozinheiros para vários cantos do mundo. Foi aí que Haraguchi lembrou, de ter esquecido o maldito navio, que nunca apareceu, a origem de toda essa jornada. A "Suntory" foi fundada em 1899 por SHINJIROU TORII em Osaka e o primeiro produto fabricado foi um Vinho com o nome de Akadama Sweet Wine. E como "Akadama", quer dizer uma "Bola Vermelha", que mais parecia um Sol, e também o símbolo da bandeira japonesa, aliada ao sobrenome de seu fundador, Torii, juntou-se o Sol em inglês "Sun"+ "Torii"e ficou "SUNTORY". 

Voltando. Ban disse que, ainda não estaria pronto para seguir o caminho da gastronomia, trabalhando em apenas uma casa. Para isso, ordenou a sua partida para conhecer outros restaurantes. A essa altura, já sabia fazer uma porção de coisas, inclusive sushis, mesmo que o Ryoutei tradicional não oferecesse aos clientes. É que nas folgas de domingo e feriado, Haraguchi visitava um Sushi-yá de um amigo, que no começo, ia como um cliente. Daqui a pouco já estava do outro lado do balcão, fazendo. Com um bagagem enorme, passou pelas províncias de Nara, Okayama e Kyoto, a meca da gastronomia japonesa.

(Acompanhe a 2º Parte)

26 setembro 2011

Boa limpeza, Boa comida.


Todos os novos candidatos à Itamae (Cozinheiro Japonês), no Japão, começam a trabalhar pela pia em restaurantes tradicionais. Não importa se você sabe ou não cozinhar. Não importa se você foi o melhor aluno da escola de gastronomia. Vai começar a trabalhar por baixo. Lavar louça, lavar a cozinha, organizar os pratos, cerâmicas, copos, arrumar geladeira, fracionar legumes, verduras, peixes, carnes, sem falar na manutenção de todos os materiais. Culturalmente, o novato, chamado de OIMAWASHI ou BOUZU, segue também a rígida hierarquia entre a equipe. Não importa o quão está atarefado o seu serviço. Um superior pede para comprar cigarro na esquina, deve largar tudo e obedecer. E detalhe, aos berros. Errou, toma bronca. Errou de novo, os superiores te dão uma surra.

Mas hoje vamos falar de Limpeza. A higiene é fundamental em ambiente de manipulação de alimentos e isso todos sabem. Mas os japoneses, não enxergam apenas como uma obrigação legal. Mas sim, pela organização mental.

Por exemplo, um determinado prato de cerâmica, uma panela, uma concha ou uma grelha, tem a sua diferença no manuseio na hora de lavar. Não falo apenas na diferença de produtos de limpeza. Mas na força que você aplica na hora de esfregar com a esponja. Só nisso, já começa um grande aprendizado, o que futuramente pode influenciar na comida que for preparar. Um mesmo peixe, tem as suas diferenças na hora de limpar e abrir. Assim como lavar a louça, tem a sua sequência. A organização, naquele pequeno espaço chamado pia, tem de ser metódico. Facas ou objetos cortantes, você deve lavar primeiro e enxaguar de imediato. Nada de deixar empilhado com as outras coisas ou pior, dentro de uma panela. Depois os objetos frágeis, como porcelanas, cerâmicas, taças. Tem que esterilizar, tem. Mas muito antes de disso, você pode economizar, água, detergente e a força. Uma frigideira que vem para a pia, pelando de quente, lave imediatamente. Enquanto o calor ainda permanece no metal, toda a gordura, sai com facilidade. Recipientes difíceis de lavar, como jarras de sakes, já deve estar de molho, antes de tudo. Uma panela usada e bem quente largado na pia, pode causar acidente. Sem querer uma outra pessoa, pode segurar a alça e queimar a mão. E assim, cada material, tem o seu cuidado particular, e faz com que o Oiwamashi, tenha que usar a cabeça muito antes de começar a cozinhar. Na verdade, lavar a louça já é um treinamento para isso.

É muito diferente de você cozinhar em casa, quando está com vontade. Só pensa no ingrediente, no tempero e no preço que pagou por cada ingrediente. Mas se tratando de trabalho, o serviço, não fica restrito na mesa de preparo da comida. Mas o antes e o depois. No jantar que você faz em casa para os amigos, você pode até perder o dia todo preparando e lavar a louça no dia seguinte. Mas no restaurante, não.

Por isso o “Pia”, como é chamado aqui no Brasil, também tem essa mesma importância. Não se deve menosprezar esse serviço. Um bom “pia”, pode virar um bom cozinheiro.
Ainda que no Japão, muitos superiores, não ensinam o novato a preparar a comida, o que obriga à “roubar” as técnicas. Mesmo lavando a louça, fica de olho em como o os outros cozinheiros, limpam um peixe, por exemplo. Ao chegar uma panela na pia, ele logo enfia o dedo no fundo e lambe, para “experimentar”o tempero ou molho.

Então, caros iniciantes na cozinha de um restaurantes. Jamais subestime o trabalho na pia. E lá, muitos segredos se escondem. Tem muita coisa, que não é ensinado em escolas de gastronomia. Aprendemos a teoria, usamos os nossos 5 sentidos. Mas tem muita coisa que o corpo aprende sozinho. É o mesmo que dirigir um carro. No começo, prestamos atenção e olhamos até para o pedal do freio. Mas com o tempo, seus olhos vão ignorar.

Força aos novatos!! E futuramente nos impressione com belos e deliciosos pratos.



02 setembro 2011

Tempero, destempera!!


Sabe aquele tão esperado final de semana chegando e ainda estrear o novo apartamento chamando os amigos para um jantar? Você até acorda mais animado e logo de manhã, corre para o Mercadão, para comprar os ingredientes mais frescos. Dá uma olhada em tudo e descobre mil coisas saborosas para incrementar a recepção. Compra até flores para enfeitar , pois você conseguiu ótimos preços. Mesmo bem longe da sua casa, valeu muito a pena atravessar a cidade, pois não vê a hora de começar a preparar os vários pratos para o sábado de noite. Duas entradas, prato frio, prato quente e a sobremesa. Escolhe bons vinhos para harmonizar com os pratos.

Praticamente, você pesquisou em vários sites, programas culinários a semana toda para a grande noite.

Mesmo com várias sacolas, caixas uma mais pesada que a outra, não tem nada que atrapalhe o encanto, pois hoje a noite, vai poder ver vários rostos sorrindo e dizerem: “Nossa a comida está maravilhosa!!!”

Vamos para a cozinha e preparar a carne. Limpa tudo, corta as peças na medida certa, sempre acompanhando as anotações que você fez no computador. Mesmo com temperos já prontos, hoje você optou em fazer o próprio e do zero. Só isso, já custou uma boa parte da manhã. A carne está pronta e vamos colocar no forno. Ajusta aqui, ajusta ali e vamos acompanhar. Não pode esquecer que a cada 15 minutos, você precisar dar uma virada na peça para não ressecar. Mesmo num total de sete horas no forno, vai valer muito a pena, quando ouvir os elogios dos convidados.

Enquanto isso, vamos ao prato frio. Mesmo uma simples salada e uma cabeça de alface custando R$ 4,20 vale a pena. Todas verduras cuidadosamente lavadas, secadas em panos novíssimos, enquanto vamos cozinhando os legumes. Ah, não podemos esquecer o peixe para fazer um Carpaccio.

Aos poucos, a sua cozinha fica bagunçada e a pia repleta de utensílios, mas que vai valer muito a pena. Não podemos esquecer do gelo para resfriar o vinho branco.

Já se passaram 5 horas e você todo descabelado, mas firme no fogão. O cheiro está muito bom!!! Quase toda a comida está ficando pronta. Até o sorvete de frutas vermelhas que você comprou de manhã, já está bem durinha.

Uma hora antes dos convidados chegarem, você começa a preparar a mesa. Desde os caríssimos pratos importados, que você trouxe com muito cuidado, na última viagem à Europa, às taças de cristais. Talheres posicionados na distância certa. Pode muito bem ser contratado por um renomado restaurante.

Quando você sai do banho e coloca a melhor roupa que você tem, os convidados chegam. É o momento mais esperado em receber no novo apartamento. Todos comentam o espaço, a mobília, as fotos da viagem, a gigantesca TV e vários outros itens. E o melhor, você constata que todos estão famintos. Então...

Vamos à mesa. Você orgulhosamente posiciona os pratos no ângulo certo para que os convidados possam apreciar melhor. Todos ficam deslumbrados com a porcelana importada e começam a comer, comentando sobre a grande final do campeonato de futebol. Você nota que, um quase que acaba com o saleiro. Outro despeja o azeite, pois ama. Outro simplesmente não toca na salada, pois odeia.

Bom, tudo bem. O importante mesmo é a carne. E quando chega a hora, o povo cai matando. São braços e braços cruzando a mesa, como se fosse de casino. Molhos pra lá, sal pra cá, não sei o que pra lá. Aquela carne que você custou a memorizar, um tal de Kobe Beef, foi mascarado por tanto condimento que, fatalmente os convidados não notaram a diferença. Nem ao mesmo a maciez da carne, pois a TV estava ligada bem alto, pois tinha começado o jogo. Mastigavam rapidamente a comida, quando o jogo parava. Mais molhos, mais condimento para aguentar tanta emoção da final. Uns dois já se levantaram e foram comer no sofá. Outros pararam de comer.

E ao final de tudo, todos eles agradeceram a maravilhosa noite, pois o time ganhou. A comida estava: “Excelente”, foi o único comentário do jantar.

Daí você olha para a mesa, que mais pareceram porcos que haviam passado por lá. Se juntasse todo o caldo da carne com o molho, daria para encher uma jarra.

Apesar de todos convidados terem saído satisfeitos, algo dentro de você te incomoda, e bastante. Todo aquele trabalho, o dia todo na cozinha, o planejamento feito a uma semana, acordou cedo, atravessou a cidade, a pequena fortuna gasta, para que os convidados simplesmente não notassem absolutamente nada, pois com tanto condimento, mesmo que botasse uma carne de segunda, não faria a mínima diferença. Eles tem culpa? Não.

Daí eu pergunto, depois de todo esse relato.:

“Você faria uma Caipirinha de Sake?

Pense nisso, antes de tomar.

Texto incentivado por Dalmo, do Restaurante Navegantes em Piracicaba, SP. Visite: www.navegantesrestaurante.com.br

14 agosto 2011

Não é permitido Cliente de 1º Viagem

Para quem viajar ao Japão e visitar a província de Kyoto, que foi a primeira capital do país, pode se deparar com uma mensagem um pouco assustadora, mas ao longo desse post, (talvez) entende o porque.

É muito comum observar ou ouvir a seguinte frase:

「一見さんはお断り。」

O mais próximo de uma tradução seria:

[ Não aceitamos, cliente de 1º viagem]

Nós que estamos acostumados, ou em grandes metrópoles japonesas, onde empresas “buscam”os clientes como promoções, vantagens, descontos e facilidades, ouvir ou ler uma mensagem dessa, chega a ser uma falta de respeito ao consumidor. Mas eu vou (tentar) explicar o motivo.

Em Kyoto, é muito comum, lojas especializadas em apenas um único produto. Um exemplo, é uma loja de TOFU, que uma porção, pode sair por R$ 200,00. Lojas de doces, lojas de vinagres, lojas de pimenta, de Guetas (chinelos japoneses de madeira), etc. E nenhum deles, são feitos em larga escala, não tem funcionários, não tem máquinas. Uma produção bastante limitada, onde os produtos ficam nas vitrines, mas sem ninguém para atender. O cliente que entra, deverá chamar o profissional, que trabalha nos fundos. Lógico que não aceita cartões de nenhuma espécie e cheques o que quase ninguém usa. Tudo em dinheiro vivo. A quantidade que um cliente pode levar também é limitado.

Restaurantes e izakayas, também adotam a restrição. Ao passar pela porta, o Itamae (Cozinheiro japonês), te atende com toda a educação do mundo, explica o não aceite e convida para se retirar. Lógico que eu sem saber e puto da vida, fui embora. Conversando com um amigo que tem um restaurante, combinamos então de conhecer a casa na noite seguinte.

E lá fomos nós e quando entramos, o mesmo Itamae, nos recebeu com o mesmo sorriso da noite anterior e começou a trabalhar normalmente sem nenhum tipo de remorso à minha pessoa. Esse meu amigo também não disse nada. Eu pedi o cardápio e fui cutucado. Olhei para o Satoshi (meu amigo) e ele fazia “não”com a cabeça. Eu puto de novo disse à ele ironicamente: “Quem sabe o chefe, adivinha o que eu quero beber.”

Bom, esperamos pela nossa comida, sem saber o que viria. Quer dizer sabia mais ou menos, pois era um Sushiyá. E do nada, o dono todo simpático me perguntou algumas coisas, como a minha cidade natal, o que eu faço, o que gosto e não gosto de comer. Disse um pouco sobre como é o gosto dos brasileiros. E do nada, ficou em silêncio. E depois de 5 minutos, começou a vir os primeiros pares de sushis. Primeiro veio o torô, linguado, baleia, lagostim, camarão, olhete, pargo, enguia, kaiware, akagai, e mais um monte sushis. E sempre que o dono observava que o meu Yunomi (copo de chá) estava quase vazio, trocava por uma cheia. Quantidade de wassabi no ponto, e o Kozara (pratinho) de shoyu, eram trocados o tempo todo, já que a gordura e o sabor peixe, podem se atrapalhar. Só depois de comer, o dono pergunta, o que eu quero beber (álcool). Pedi um shochu e ele me serviu um de cevada envelhecida por 10 anos.

Tudo muito bom, e muito caro!! Ficamos por último e o dono deu a volta no balcão, e se sentou ao nosso lado. E finalmente ele me explicou, porque não aceita cliente “de primeira viagem”. O motivo na verdade é bem simples.

- Captar novos clientes é tão importante, quanto manter os fregueses. Mas eu e vários estabelecimentos, trabalham sozinhos ou com um ajudante. Não temos como atender todos. E se sacrificarmos alguém, não será o freguês, que já conhece todo o sistema da casa, não questiona o preço e sempre volta. Por exemplo, o jantar de vocês, custou R$ 350,00 cada um. Mas se fosse dois dias atrás, poderia ser R$ 220,00. O Torô, a partir de ontem, disparou o preço, como outros peixes. Imagina um cliente que não sabe como funciona o mercado de peixe? Poderia questionar o preço, dizendo: “Mas no outro restaurante, eu pago bem menos!!” Não posso perder tempo, explicando isso e deixando de atender os fregueses. Não estamos aqui para ganhar tanto dinheiro. Mas sempre oferecer o melhor serviço, para aqueles que já nos conhecem. Funciona mais como um restaurante privativo.

E vários outros motivos, como não atender celular, não fumar, não falar alto entre outras regras que cada um adota. É um pouco difícil para um mercado capitalista, mas goste ou não dessa loucura, faz parte da cultura de Kyoto, o centro gastronômico do Japão.

O que acham disso?

23 junho 2011

SUMIKOMI, O Céu no Inferno


SUMIKOMI. Um dos tradicionais modo de vida profissional está morrendo no Japão. Trata-se de “morar” no local de trabalho. Era bastante comum, os proprietários de restaurantes construírem o estabelecimento juntos da suas moradias. Em muitos casos, ou a parte dos fundos ou o piso superior era a residência. E um dos cômodos, serviam de alojamento para os empregados. Nas antigas, músicos, cantores, dançarinos, comediantes, atletas de sumô e itamaes (Chef de Cozinha Japonesa), dividiam o mesmo teto. Dividiam a “mesma panela de arroz”, como dizem os antigos.

O fato de morar junto com colegas de trabalho, parece muito desvantajoso. Falta de privacidade, do seu cantinho e sua vida muito exposta. Mas acreditavam que para vestir a camisa da profissão, primeiro deve-se enfrentar o maior dos problemas. A falta de introsamento entre a equipe.

Muitos de outras culturas, podemos achar um exagero. Mas os japoneses dizem que, para aprender um ofício, não basta ser apenas no local de trabalho. Pode, através de um bate papo, surgir a luz do fim do túnel. Os profissionais japoneses e principalmente nas áreas tradicionais, parecem ter duas personalidades. Uma dentro do local de trabalho e outra fora. Um Itamae, pode ser duro e rigoroso com a equipe dentro da cozinha. Um passo fora, pode ser bastante flexível. E é nessa fase flexível, que pode-se obter o máximo de dicas. Mas para isso tem o preço. Se tem uma coisa que existe, dentro e fora do trabalho, é a hierarquia. O mais novo é o que mais sofre. Acorda mais cedo, para servir chá aos superiores que acordam depois, saem a noite, na chuva para comprar cigarro ou sake, entre outras coisas, isso sem falar na limpeza, arrumação e lavar roupas.

Em 1991, para me preparar para o Campeonato Mundial de Kendô, participei de longas “Concentrações”. A média de idade dos lutadores era de 25 anos. E só eu com 16. Era o inferno sem ter morrido. Tanto que me apelidaram de escravo. Desde às 5:30 da manhã, até 23:00, com 6 treinos puxadíssimos, me massacravam durante os treinos, e nos intervalos, a mesma coisa. Estender os encharcados quimonos, preparar equipamentos, arrumar o dormitório, ajudar na cozinha, e sempre gritando “HAI!!”. Muitos com o tempo de convívio, amoleciam. Mas tinha um que bastava me olhar que inventava um ordem. Durante o treino, eram cotoveladas e rasteiras, que não eram permitidas. Mas os técnicos ignoravam. Mesmo chorando escondido, suportava qualquer absurdo, pois tinha um objetivo. Fortalecer o meu caráter!!

Mais um dia de treino, quando o técnico decidiu fazer um simulado do campeonato, meu primeiro adversário, adivinha quem? Minha Nossa Senhora!! Mas não sei o meu dia estava bom, consegui vencer a luta, o que rendeu bons berros do técnico ao veterano. Mesmo depois da luta, fui até ele e agradeci e pedi desculpas. E também foi a primeira vez que me chamou pelo nome, ao invés de escravo. O saldo do simulado foi ótimo para mim, péssimo para o restante. Fiquei em 3º lugar. O técnico reuniu todo mundo, me elogiou e descascou o resto. Na minha mente, não parava de pairar a frase: TÔ FERRADO!!! O técnico bufava dizendo: “AINDA BEM QUE FOI UM SIMULADO, SEUS INCOMPETENTES!!! GRADUADOS PERDENDO PARA UM MOLEQUE DO JUVENIL!!!!”

No dia seguinte, acordei cedo e preparava o café, quando o pessoal entrou no refeitório. E todos me chamaram pelo nome e me deram bom dia. A minha vida continuou a mesmo até partirmos para o Canadá. Mas ganhei muitas dicas de golpes que me rendeu o título de Campeão Mundial, na categoria juvenil DE 1991. Sou muito grato aos meus veteranos.

Mas sou mais grato ainda, pela oportunidade que surgiu de participar de dolorosas concentrações.



01 maio 2011

OKAMI, A Poderosa


No Japão, existe um termo popular chamado OKAMI, que significa proprietária de um estabelecimento tradicional japonesa, como restaurantes, hotéis ou empresas que não dispõem de estrutura e recurso administrativo. Claro que existe o DANNA, o homem, mas curiosamente, ouvimos falar de mulheres que tocam uma empresa sozinha, ou por não trabalhar com o marido ou o mesmo tenha falecido. Com seu belo kimono, cabelo perfeito, anda pelo estabelecimento com toda a pose, confundindo os seus funcionários, claro os novatos ou desinformados.

Recentemente, tive a oportunidade de conhecer uma Okami de um restaurante da Província de Gunma, centro-norte do Japão. E não me contive e perguntei de suas várias funções de seu trabalho.


Eu: - O que difere o seu trabalho de uma Okami, com os demais restaurantes?


Ela: - (modestamente) Não posso dizer por todas, mas o meu trabalho, é insignificante. Administro um restaurante que meu marido me deixou, e delego funções ao meu Hanaita (Chef de Cozinha Japonês) e o Oobantô (Gerente Operacional). Mas uma vez que depositei a confiança neles, não posso me intrometer a nada. Isso faz com que meus dois chefes, tenham o mesmo peso que o meu. Por isso, desde manhã bem cedo, me sento com eles, para checar os grupos de clientes que temos para o dia. De onde vem, de que empresa são, se tem crianças e se algum deles tem restrição para algum tipo de alimento.


Eu: - Diariamente?


Ela: - Todo dia. Cada dia é um história diferente. Depois verificamos a condição da equipe. Se alguém está de licença ou compromisso pessoal. Checamos os ingredientes, as louças e toda a estrutura da casa.


Eu: - Bom, até aqui, me parece semelhante a qualquer empresa.

Ela: - Isso mesmo. Mas depois de terminada a reunião, não me interfiro em nada. Depois vou escolher o kimono, de acordo com a estação do ano. Escolho tecidos mais floridos para a primavera e verão, discretos para o outono e inverno. O meu kimono, nunca deve estar mais belo que o cliente, pois devo estar presente, mas não me destacar. Vou ao cabelereiro todos os dias, mas o coque é sempre igual. Quando há tempo, faço aulas de Ikebana (Arranjo de Flores) e Sadô (Cerimônia do Chá). Eu mesma, faço o arranjo de flores de todo o restaurante. Tenho que transmitir a minha recepção aos meus clientes, e as flores me ajudam. A cerimônia do chá, me ajuda a concentrar e me tranquilizar, principalmente para os dias corridos.


Eu: - Agora sim, sinto uma personalidade viva na casa.


Ela: - Exatamente. Depois do descanso após o almoço, eu e o Hanaita, conferimos toda a receita do menu. Não para ver se está certo ou não, mas para eu saber. Quando inicia o serviço de jantar, devo percorrer todas as sala (tatami), para dar as boas vindas. E posso ser questionada ou perguntada sobre algum ingrediente. Devo saber, onde foi comprados, de onde vem, como foi pescado ou colhido, a proporção dos temperos, etc. Devo saber tudo na ponta da língua, e não posso colar (risos).


Eu: - Se uma conhecida ou amiga, vier jantar? A senhora dá uma atenção especial?


Ela: - Devo tratar todos os clientes por igual. Não é por ser uma amiga, que vai pagar caro ou barato. Todos estão pagando por um serviço que oferecemos. Então não posso diferenciar nenhum deles.


Eu: - Vamos supor que uma delas insista.

Ela: - É difícil acontecer. Se é muito minha amiga, seria a primeira a entender do meu trabalho e querer me dispensar o quanto antes. Nunca me sentei ao mesmo nível ou no balção com um conhecido, pois aquele lugar é sagrado. É do cliente, que pagará as contas dos restaurante. Sempre que me sobra tempo, fico próximo da pessoa, mas em pé.


Eu: - Como é lidar com a equipe de funcionários?


Ela: - Sou a mãe de todos eles. Mas mais pareço uma avó. Não devo me intrometer no serviço deles, apontando erros ou dar conselhos. Mas o meu papel é acompanhar de longe e ao mesmo tempo de perto. Embora nenhum deles tenha me procurado até hoje, sobre questões de trabalho ou salário, mas noto sempre na fisionomia dos meus meninos. Se vejo algo errado, tento deduzir de algumas forma. Uma vez uma das Nakais (garçonete) estava um pouco preocupada. Era o dia do Sankambi (Dia que os pais acompanham as aulas dos filhos) e ela queria ir. Chamei o Oobantô e pedi a sua permissão. Prontamente me atendeu e eu a dispensei logo depois do almoço.


Eu: - Nunca teve problemas com a equipe?

Ela: - Nunca tive. Embora todos respeitem a hierarquia, eu os respeito em dobro. Como uma Okami e como pessoa. Sem eles, não sou nada.


Eu: - Como é lidar com a mídia, já que a senhora esteve em algumas revistas japonesas.

Ela: - A mídia, é um grande coletor de novos clientes. Mas a minha gratidão tem o mesmo peso que os clientes. As revistas trazem clientes. E eu tenho fazer eles voltarem. Não posso depender sempre da mídia.


Eu: - Nunca chegou a oferecer uma cortesia?


Ela: - Um única vez, talvez a primeira vez que um emissora regional veio filmar, ofereci o almoço, mas eles recusaram. Todos eles pagaram e eu não sabia onde enfiar a cara. Eles disseram, que eu ofereci um instrumento de trabalho e que eles deveriam pagar por isso.


Eu: - A senhora viaja muito a passeio?


Ela: - (Risos) É muito difícil. Mas quando viajo, é quando eu fecho o restaurante. Durante o expediente, somente em caso de saúde.


Lógico que perguntei várias outras coisas, mas acho que deu para ver o quanto um(a) proprietário(a), deve sempre estar presente e viver os seu trabalho.


E você, caro proprietário? Sabe exatamente o que acontece dentro de sua própria casa?


Pense nisso!!