10 junho 2009

Impecável ou Agradável


Toda vez que vou a um restaurante, penso que estou num palco. O chef de cozinha no papel principal, sommeliers, maitres e barmans como coadjuvantes, envolvidos em um belo cenário agradável ao som de música ambiente. Tudo uma maravilha. Agora cadê os garçons? Cada restaurante que abre em SP, falam muito na vida e dos prêmios de chefs de cozinha. Maitres que trabalharam em badalados restaurantes no exterior (quase todos nos EUA). Sommeliers que competiram e ganharam tais prêmios. Um investimento milionário que muitas vezes não dá certo.
Eu acompanhei dois treinamentos de garçons aqui em SP e observei com bastante cuidado, quais os parâmetros adotados. O primeiro, foi na base da ameaça. Todo o processo, começava com um “Não pode fazer isso, não deve esquecer disso, não pode atender dessa forma”. A equipe, lógico prestando muita atenção, mas não de um modo agradável. Parecia recrutas prontos para enfrentar um inimigo. O segundo, já era mais teatral. “Você são maravilhosos, vocês são ótimos”, e mais um monte de adjetivos. Faziam a degustação de pratos para que todos soubessem o sabor, para poder explicar aos clientes. Mas meia dúzia prestava atenção. Então qual é melhor forma de treinar essa rapaziada?
Lembro de um restaurante no Japão, em Fukuoka que eu ADOREI. Tratava se de uma casa pequena, cozinha quente, especializada em Domburis. O chef é o dono, a esposa é a gerente e mais 5 pessoas, sendo 2 meninas. As duas lindíssimas e poderiam estar em grandes passarelas do mundo. Os rapazes, um mais engraçado que o outro.

Depois que eu me sentei, veio uma das meninas me atender, me serviu um copo de água e gelo. Uma graciosidade que dava para pedir tudo que me oferecesse. Enquanto escolhia um prato, veio um dos rapazes me sugerindo um shochu.

- Acho esse shochu, a cara do senhor. Forte, firme e seco. Aposto 1.000 ienes que o senhor vai gostar.
Bom, não pude recusar a oferta, mesclado com um desafio. Ele me trouxe uma garrafa, um copo e um balde de gelo. Colocou na mesa e eu servi ao meu gosto. O garçons ficou de braços cruzados confiante. Tomei o primeiro gole e pude notar um sabor oco. Parece que o líquido sumira na boca. Uma leve doçura persistia na boca e o retro gosto era maravilhoso.
- Eu falei para o senhor, que ia gostar. Tome mais uma dose, que é por minha conta.
E se retirou para atender a outra mesa. Chegou a outra menina trazendo um aperitivo de carne de porco cozido ao molho agridoce com salsa. Ao me servir, viu que o meu copo estava vazio e pegou a garrafa e abriu um sorriso.
- Que tal mais uma?

Ah, aí não deu outra. Estendi o copo e vai uma dose de shochu. Depois ela voltou ao balcão para atender. Passou o segundo garçom e perguntou se eu estava bem. Respondi que sim e ele perguntou de onde eu vinha. Falei que era do Brasil e ele me perguntou como é a vida no meu país. Com a conversa andando, percebi que conhecera bem a geografia e a história do Brasil. Até arrisquei e perguntei se já esteve lá. Timidamente, disse que adoraria conhecer, mas que nunca havia saído da cidade.

Quando chegou o meu prato, a primeira garçonete trocou o meu copo e trouxe uma jarra térmica.
- Trouxe para que o senhor experimentasse um oyuwari. Combina com a carne do teppanyaki.
Pedi para preparar uma dose e reparei o prazer em fazer o “drink”. Colocava 6 de shochu para 4 de água quente. Nossa, uma mesma bebida se transforma, achando que experimentara um outro rótulo. Muito bom mesmo.

Depois que acabei de comer e super satisfeito, pedi a gentileza de chamar o chef para cumprimentar.
- Desculpe chamar em uma hora tão corrida, mas o senhor está de parabéns.
Com um largo sorriso e tirando a touca.
- Agradeço a consideração, mas senhor tem de me desculpar. Apenas faço a comida.
- Mas estava excelente. Muito bom a comida.
- Temos um tempero muito bom nessa cozinha.
- Com certeza.
- É o talento de cada um dos meus meninos. São eles que temperam a minha comida.
Fiquei bobo. Claro que notei no agradável atendimento. Mas fiquei mais surpreso pelo tratamento que ele tem com a equipe.
No dia seguinte, fui de novo para conversar com o dono. Nós dois no balcão tomando shochu, o chef fez a seguinte revelação.

Todo o dinheiro que entra, o dono tira uma porcentagem para ele, e o restante ficam por conta dos 5. Só que as compras e as despesas ficam a cargo dos funcionários. Então se todos querem ganhar mais, tem de achar um fornecedor com um preço melhor. Se quer ganhar mais, tem de economizar água, luz e gás. Se quer ganhar mais, tem de atrair mais clientes e dar o melhor atendimento possível. Dessa forma, são eles que controlam tudo. Reparou que o primeiro garçom me deu uma dose de shochu por conta dele. Então todo o funcionamento da casa, vão depender dos 5.

- Eu praticamente não dou ordens aqui. Acho que a única exigência que faço, são os ingredientes. Não tolero qualquer coisa. Mas o resto, deixo nas mãos dos meninos. Eu os sustento e eles me sustentam. Acho que a vida deve ser assim. Respeito ao próximo.
Por isso, um atendimento impecável (sem erros), nem sempre é um atendimento agradável.

PS: Ao ir embora, a primeira garçonete, me deu uma sacola bem bonita com cookies com gotas de chocolate, que ela mesma havia feito.