01 novembro 2008

Um bom Missoshiru, Um bom Restaurante


Esses dias um cliente fez a seguinte pergunta. "Como identificar um bom restaurante". Com tantas ofertas de restaurantes japoneses e principalmente em São Paulo, é duro saber qual é o melhor. Vamos esclarecer que um bom restaurante japonês é aquele que segue as tradições. Qualquer traço fora do eixo oriental, traçamos como Japonês Contemporâneo. Então eu uma dica muito simples, que na verdade todo japonês sabe detectar.

Um bom restaurante, é onde serve um bom Missoshiru e uma boa tigela de arroz. Quem diz isso, são chefs de cozinhas japonesas no Japão e os idosos.

Um respeitoso Itamae (Chef de Cozinha Japonês) me disse uma vez em Fukuoka.


"Aqui no Japão, as pessoas se preocupam em buscar os melhores peixes, as melhores carnes, os melhores legumes e os melhores ovos. Às vezes mandam importar matérias-primas que não se consegue aqui. Querem mostrar talento inventando coisas que fica mais bonito numa foto que na boca. E muitos esquecem do velho missoshiru. Um bom restaurante, tem que oferecer um bom Missoshiru!!"


Depois me levou para um restaurante que mais parecia uma casa prestes demolir. Mandou que entrasse e sentamos no balcão. Aliás só tinha o balcão para umas 20 pessoas. Não tinha mesas e nem garçons. Somente um casal de velhinhos trabalhando freneticamente. O cardápio ficava colado na parede e listados os Teishokus. O Chef me pediu para escolher o que eu quisesse. Então pedi um Ajihurai Teishoku (Carapau à milanesa). A esposa grita ao marido, que sem responder e muitos menos olhar para nós, começou a fritar. Com um sauve movimento mas ágil, tacou o filé de carapau no óleo e mandou ver. Sem muita pressa, a fritura ainda submerso no óleo ameaçava subir à superfície. Baixou o fogo fazendo com que o peixe apenas dançasse lá dentro. Quando chega ao ponto, tira do óleo e deixa escorrer numa grelha. Enquanto isso, a esposa pega duas tigelas. Na primeira o arroz. Textura brilhosa com as grãos firmes e uma nuvenzinha calorosa. Na outra missoshiru. De repente sai da cozinha em direção à parede onde num tambor retira um pepino, beringela e cenoura com uma pasta marrom claro. Pelo cheiro era Nuka (pó de arroz resultante do polimento do grão). Essa conserva se chama NUKAZUKÊ. Depois de lavar, corta de fatias generosas e sempre na diagonal e coloca num pratinho com desenhos desbotados. Os mesmo desenhos gastos estavam estampados nas tigelas. O marido pega uma porção de repolho cortados bem fininhos de dentro de uma enorme tigela com água, deixa escorrer e coloca no prato. Em cima 3 filés grande de carapau.


Eu estava morrendo de fome, quando o Chef me interrompeu. Fechei a boca e ele me disse.


"Agora, preste atenção. Está vendo os desenhos desbotados? São milhares de clientes que vieram aqui e levaram um pouco do sabor como lembrança. Viu a textura do arroz e temperatura? O corte do repolho? Sentiu o cheiro de repolho fresco? Agora antes de comer, experimente o missoshiru."


Bom, é ele que está pagando, então vamos obedecer. Nossa, um leve aroma do missô (Pasta de soja fermentada) que aloja nas narinas e agrada o paladar. Depois o sabor do katsuobushi, sem brigar com o caldo de Alga Kombu. A leve acidez das cebolinhas que além de embelezar a sopa não o deixa a pasta de soja ficar muito encorpada. Só que não consegui decifrar um último sabor. Parece que o Chef percebendo a minha fisionomia...


"É o nabo. Tiras de nabo foram cozinhados antes de colocar o Missô. O nabo em contato com a água quente, libera tanta acidez que é evaporado e o legume fica bem doce. A Alga kombu, além de depositar as sua proteínas equilibra o caldo com o sal. O Katsuobushi, faz a ligação para que não quebre o equilíbrio e ainda harmonize com a pasta de soja que vem depois. Agora coma o arroz"


Peguei com hashi uma pequena porção de arroz e comi. Sentia o formato dos grãos no boca e que desmanchavam depois. Sem perder tempo o Chef mandou que tomasse um outro gole da sopa. Prontamente, mais um gole. Nossa, não é que combina tanto.


"Com uma boa sopa e um bom arroz, não precisa de mais nada" Para minha surpresa, o marido não tão simpático no começo disse a frase. "Estou à quase 50 anos fazendo esses mesmo pratos. Nunca mudei nada do meu cardápio. Nunca tirei, nunca adicionei. Muitos que adoravam a minha comida, enjoaram. Mas todos voltaram e não saíram mais. Sabe por quê. Ninguém sobrevive, sem arroz e um bom missoshiru" agora já dando umas risadas "Mas prove o carapau, que acabou de chegar de Aomori. Está muito bom e gorduroso".


Depois desse dia, qualquer restaurante que eu vou, tomo um gole de missoshiru e depois uma porçãozinha de arroz. Se itens básicos da cozinha japonesas não estão bons, imagine o resto.


Então, o seu restaurante japonês favorito tem um bom missoshiru?


DICA DA ADEGA: Para um filé de Carapau à Milanesa (somente o peixe), um bom saquê junmai levemente seco, é uma ótima combinação.