12 outubro 2011

Mestre Haraguchi - Do Miyabi ao Ban


(Vista interna do Miyabi antes da reforma)


O Miyabi
Já familiarizado com os ingredientes brasileiros e com técnicas originais japonesas, logo foi conquistando o público japonês e brasileiro. Ganhou fama e espaço em jornais e revistas, mas nunca se interessou.Ele conta que, além de não se achar um personagem importante ao ponto de aparecer em revistas, tinha uma sofrida restrição no idioma português, que dependendo de como fala, pode ficar ríspido. Por isso, não concede muitas entrevistas.

 No mesmo piso do Miyabi, funcionava o A-1, Pub Key, Curry House e o Komazushi, do mestre Hachinohe, que teve como discípulo, o Jun Sakamoto. E respeitando a política da boa vizinhança e amizade entre eles, não servia sushis no seu restaurante por cerca de 10 anos, até Hachinohe falecer. Depois voltou a oferecer sushis aos clientes e permaneceu por mais 4 anos. Veio então a notícia de que aconteceria uma mega obra no Shopping Top Center e que todos os restaurantes do subsolo, seriam transferidos para o piso superior. 

Alguns fecharam as portas e outros aguardavam ansiosamente a reabertura. O Miyabi também sofreu mudança e seu quadro societário. Um poderoso investidor entrou como sócio, o que remodelou a arquitetura da casa, num novo conceito. Bem diferente do que era antes, o visual do restaurante se tornou mais contemporâneo, mas mantendo o mesmo nível dos pratos.
(Balcão do Ban)


O BAN
Depois de sentir que o Miyabi estava decolando novamente e seguro de sua equipe, Haraguchi se retirou para ter o seu próprio cantinho, um lugar mais calmo e aconchegante, onde pudesse do seu local de trabalho, enxergar todo o movimento da casa. Desde de um tempo, já maturava essa idéia, como posição da cozinha, do balcão, mesas, pessoal e principalmente o cardápio. Tinha tudo na cabeça menos uma coisa. O nome do restaurante. Além de tentar bolar um bom nome, fácil de lembrar e que tenha um significado forte para Haraguchi, retornou ao Japão para se reciclar, ver os filhos que trabalham lá, e principalmente visitar o túmulo de seu mestre, Ban, que havia falecido à mais de 7 anos e que não achou uma brecha para voltar. 

Ao chegar na casa do mestre para depois seguir ao túmulo, tomou um susto. A cinzas estavam dentro de uma caixa de madeira e na parte alta do oratório. Ao perguntar o porque de não ter depositado em um templo budista, os familiares disseram que aguardava o Haraguchi voltar para então se despedir. Extremamente honrado pela tamanha consideração, respeito, carinho e a amizade de um mestre, que mesmo com todo rigor, sempre ofereceu calor humano e um amor de pai, durante o trajeto ao Templo Eihei, na Província de Fukui, Haraguchi já havia decidido o nome de sua nova casa. “BAN”.
Hoje Masanobu Haraguchi é referência na gastronomia japonesa no Brasil, onde vários cozinheiros japoneses que hoje são proprietários, já dividiram o mesmo espaço na cozinha. Perguntei à ele, quais as perspectivas daqui para frente, quando falamos da culinária japonesa. Respondeu:
“ Cada um deve dar o máximo de si para preservar a origem da arte japonesa. Não pode empurrar a tradição, para quem não quer. Devemos sempre equilibrar o conceito e o comercio. Ora um pesa mais, ora pesa menos. Sou apenas um mero cozinheiro, que faço o melhor que posso. Não sou nenhuma celebridade ou autoridade. Não tenho poder de julgar as outras casas, se nem eu conheço tudo. Vivo cada dia, como se fosse uma nova descoberta. E principalmente, faço o máximo para não cometer erros. Agora que coloquei o nome do mestre no meu restaurantes, a qualquer momento, pode voar um “gueta” na minha cabeça.” Conclui dando risadas.

(Casal Masanobu e Margarida Haraguchi)

Masanobu Haraguchi é certificado pelo governo japonês, como Cozinheiro Tradicional do Japão, que são poucos que tem essa formação e atuando no Brasil. Pensa também e lecionar a gastronomia japonesa aqui no Brasil, enfatizando a cultura e seus rituais.

E por último, estou certo de que Masanobu Haraguchi, junto de sua esposa, prestou uma belíssima homenagem ao Mestre Shuzou Ban com a abertura de uma casa com seu nome. Mas o mais importante é construir uma casa muito melhor que o Kagairou, quando começou. Esse é uma tradicional forma de gratidão à quem nos ensina.




Mestre Haraguchi - No Brasil


(Fachada do Retaurante Suntory)


Embarque para o Sonho
Em 1979, a tão esperada chamada pela Suntory veio e imediatamente, retorna para Osaka, o então quartel general da empresa, para assuntos internacionais. Descobriu que seria enviado para o Brasil e embarcou imediatamente em um avião da Pan Am e não em um navio, com milhares de escalas até chegar ao endereço, Alameda Campinas, número 600, no Jardim Paulista, São Paulo. E ainda como 2º Hanaita no Brasil, não teve tanta dificuldade, quanto o seu antecessor, que teve de traçar toda a linha, de como obter fornecedores, clientes e a contratação da equipe local. Pelo lado japonês, eram formados por 5 cozinheiros e 2 garçonetes. O restante do pessoal, contratado aqui no Brasil. 

Ao invés de se sentir deslocado, desorientado por estar num país diferente, outro idioma, outra cultura, Haraguchi estava tão maravilhado, que se divertia a cada dia, ao ponto de esquecer de dormir. Todo dia, uma nova descoberta. Frequentava o CEASA, hoje CEAGESP, o Mercado Municipal, todos os buracos da cidade e claro, juntavam-se aos outros jovens japoneses, e saiam para curtir a noite paulistana. Mesmo depois de vários copos de várias bebidas até as 2 da manhã, ainda tinha fôlego para ir ao CEASA, comprar os ingredientes.

Conheceu várias pessoas importantes, políticos, empresários e fora que o Suntory, era a referência máxima dos restaurantes japoneses de São Paulo. Tanto que muitos órgãos consulares, visitas de autoridades ao Brasil e inclusive, as refeições de bordo japoneses da Japan Airlines, eram feitos por Haraguchi e sua equipe.

Mas depois de 3 anos, o seu paraíso terminou. Com um contrato assinado no Japão, teve de voltar ao seu país, o qual ficou por 1 ano. Porém, por não ter substituto apto e a vontade enorme de voltar ao Brasil, lá vem Haraguchi para mais uma temporada como 3º Hanaita do Suntory de São Paulo. Praticamente reeleito e ficou até o ano de 1987, quando dois amigos, queriam que participasse de um projeto de abrir um novo restaurante japonês, na Rua 13 de maio. Porém a obra demorou quase um ano e nesse tempo, viveu no Rio de Janeiro e preparando refeições de bordo japonês da Varig, no Edo Garden.
(Menu Degustação)


Soltando o Cordão Umbilical
1989, foi o ano turbulento na vida de Haraguchi. Finalmente inaugurou o SEMBA que servia desde sushis, sashimis, até Teppanyaki. Muitos japoneses frequentavam, mas os poucos brasileiros que tentavam visitar, não sabiam o que pedir. Foi aí que Haraguchi, criou o OMAKASSE, ou “Menu Degustação”, que consistia em servir pequenas porções de comida japonesa, para que o público brasileiro pudesse experimentar. Hoje é tão comum, ver esse tipo de serviço, cobrado os olhos da cara. Mas inicialmente, a idéia foi de ajudar o público local a conhecer os diversos tipos de comida da culinária japonesa.

Mas a empreitada não durou nem um ano, quando um dos sócios, desistiu e pulou fora. E claro, a casa foi vendida. No mesmo ano, Haraguchi trabalhou por cerca de 4 meses no Sushi Yassu da Paulista, quando outros dois sócios o convidaram para trabalhar com ele. E depois de 4 meses, nascia o Miyabi, no subsolo do Shopping Top Center.

Também foi o ano que a primeira proprietária de um boteco japonês na Rua Barão de Iguape chamado de Izakaya Issa, bastante conhecida do Haraguchi, apresentou a Margarida Tago, que trabalhava numa loja de presentes e jóias no bairro da Liberdade. Amor à primeira vista e logo se casaram. O curioso que, Margarida é a atual e terceira proprietária do Izakaya Issa, depois de comandar por muitos anos, o Restaurante Goen, próximo de Jaguaré. 
(Acompanhe a 3º Parte)


Mestre Haraguchi - O Começo


(Entrada do Restaurante Kagairou)


O Elo Haraguchi e Ban
Um dos mestres da gastronomia japonesa no Brasil, ou “O” mestre de todos eles em minha opinião, MASANOBU HARAGUCHI é nascido no Japão em 1953, na Província de Miyazaki na ilha de Kyushu, sul do país. Também é a terra do Shochu de Soba, ou Trigo Sarraceno. 

A sua vida pela culinária, não se manifestava até o final do colegial, quando viu um dos vários anúncios da escola onde estudava, um folheto sobre recrutamento de cozinheiros em navio de passageiros. Ao certo diz ele, não lembra muito bem o porque de se interessar por esse trabalho. Mas que todos tinham que “escolher” um ramo, e ainda tinha um desejo enorme de conhecer o mundo. Lá foi ele se candidatar. 

Lógico que na época, existiam mais navios cargueiros que de passageiros. Aliás, muitos imigrantes japoneses que vieram ao Brasil, não fizeram um cruzeiro marítimo, mas sim, trabalharam em troca da viagem de 60 dias.

Ciente de que, mesmo chegando a oportunidade de conseguir a vaga, pensou em ter um pouco de experiência, antes de embarcar. Daí, procurou um Ryoutei (Restaurante Tradicional Japonês), em Osaka, chamado Kagairo (料亭 花外楼), onde trabalhava uma grande equipe de cozinheiros. Sem saber absolutamente nada, aventurou-se na cozinha aos 18 anos de idade.

Desde o primeiro dia, era uma gritaria em cima dele, faz isso, faz aquilo, todos judiavam do novato. A vida de um iniciante, era um verdadeiro terror. Tanto que hoje no Japão, quem entra na cozinha é chamado de Oimawashi, ou “Perseguido”. Na época, os novatos eram chamado de “Arriru” ou “Pato”. Corre para lá, corre para cá, sempre no chão molhado da cozinha e gritando “Sim senhor!!”. Como se fosse o escolhido pelo Hanaita ou Mestre Chefe da casa, o SHUZOU BAN  (伴 周三), pegava ele de cristo para mostrar aos outros, o que acontecia quando alguém errava ou esquecia um serviço. Massanobu Haraguchi, já viveu a sua época de “Saco de Pancada”. 

Conta ele que, quando errava um corte de um legume, imediatamente tomava golpes de cabo da faca, de seus superiores. Parecia mais uma marretada. Se esquecia algumas das milhares de ordens de seus vários superiores, tomava chute de “gueta”, chinelo feito de madeira. Panelas que acabavam de ser usadas e bem quentes, tinham que ser recolhidos para a pia o mais rapido possível. E quem disse que tinha paninhos para segurar a alça quente? Ia na mão mesmo e aquela correria. Mas também, acreditava que podia “roubar” o tempero dos cozinheiros veteranos, quando metia o dedo no fundo da panela e lamber para descobrir, o tempero, textura, cor e para que prato foi usado. 

(Logo da Suntory International Restaurant)




De olho no Suntory
E esse “inferno” durou mais ou menos 3 anos, pois o próprio Haraguchi, não lembra. Mas sem dar pio de reclamação, mudou gradativamente a visão dos superiores e do seu mestre Ban. “Bukiyou”, como Haraguchi se descreve, ele tinha uma grande dificuldade de pegar as coisas, diferente de seus companheiros. Apanhava mais, que os outros, até conseguir. E quando já se passou 4 anos, a maioria dos seus colegas que entraram juntos, não estavam mais ali. Nessa altura do campeonato, ele já se tornara um “Yakikata”, o responsável pelos assados de peixes, carnes e legumes. Um grande avanço para quem viveu o inferno na terra. Indiferente para quem faz uma escola de gastronomia, que tem vídeos, aulas práticas e todo um monitoramento de professores cordiais.

E mais um ano se passando, torna-se um “Nikata”, praticamente um aprendiz de cozinheiro. Porém, quanto mais se avança, mais difícil se torna a escalada. Acima desse posto, ainda existe o “Mukouita”, que limpa e prepara os peixes para sashimi e frutos do mar, tem o “Tateita” o sub-chefe, e o “Hanaita” que é a posição do Mestre Ban. Teria que aguardar alguém sair do restaurante ou morrer.

Passados 5 anos, e não vendo perspectiva de crescimento, consultou o Mestre Ban sobre um recrutamento da empresa Suntory, que mandavam cozinheiros para vários cantos do mundo. Foi aí que Haraguchi lembrou, de ter esquecido o maldito navio, que nunca apareceu, a origem de toda essa jornada. A "Suntory" foi fundada em 1899 por SHINJIROU TORII em Osaka e o primeiro produto fabricado foi um Vinho com o nome de Akadama Sweet Wine. E como "Akadama", quer dizer uma "Bola Vermelha", que mais parecia um Sol, e também o símbolo da bandeira japonesa, aliada ao sobrenome de seu fundador, Torii, juntou-se o Sol em inglês "Sun"+ "Torii"e ficou "SUNTORY". 

Voltando. Ban disse que, ainda não estaria pronto para seguir o caminho da gastronomia, trabalhando em apenas uma casa. Para isso, ordenou a sua partida para conhecer outros restaurantes. A essa altura, já sabia fazer uma porção de coisas, inclusive sushis, mesmo que o Ryoutei tradicional não oferecesse aos clientes. É que nas folgas de domingo e feriado, Haraguchi visitava um Sushi-yá de um amigo, que no começo, ia como um cliente. Daqui a pouco já estava do outro lado do balcão, fazendo. Com um bagagem enorme, passou pelas províncias de Nara, Okayama e Kyoto, a meca da gastronomia japonesa.

(Acompanhe a 2º Parte)