09 maio 2012

O Vovô


De papo no twitter com a Soraya de Castro (@soraya_castro) e o Sandro Um Litro De Letras (@umlitrodeletras), lembrei de uma história que aconteceu comigo. Vamos lá.
Sabe aquele final do expediente, em que sua bunda formiga querendo ir embora? Então, um belo dia, nos tempos que trabalhava no Aeroporto de Guarulhos e na Varig, olhei o relógio e faltavam menos de 25 minutos para me livrar da minha mesa, da minha sala, do meu informe. Daí a “Lady Murphy” viu minha empolgação e resolveu cortar o meu barato.
Pelo rádio, fui acionado para acompanhar um senhor japonês que me aguardava na Sala de Atendimento Especial. Dentro de mim eu dizia: “Cês tão de sacanagem!!” Mas fazer o que? Quem mandou criar um grupo de atendimento de passageiros japoneses na empresa? 
E lá fui saltitando de alegria, só que ao contrário, atravessando o saguão deserto do Terminal 2 do aeroporto. E antes de entrar na sala, tive de passar por grupo de uns 8 engravatados do Men in Black para avistar um senhor quase careca de óculos, sorrindo para o nada com uma camisa de cantina italiana.
Me sentei ao lado dele e: - Boa noite? Como estamos? (Totalmente inadequado pelo estilo Varig de atender). Mas estava sonhando em ir embora, mas acordei para o pesadelo.
Conversamos um pouquinho e disse: “Vambora vovô, se não o avião sai e eu tenho de ficar com o senhor.”
Peguei a mala dele e 6 passos depois, ele tinha avançado 3. Pensei: “Ai minha nossa senhora.” Resolvi (contra a vontade) acompanhar os passos em slow motion. Essa altura, quem está lendo, deve achar que sou um monstro, mas tem dias que no primeiro minuto que você chega para trabalhar, você pensa: “Faltam 7 horas e 59 minutos para ir embora.” Então me deixe!!
Com bastante esforço, chegamos na “Imigração”. Cadê a porra da Tarjeta de Saída? Peguei todas as coisas do mão dele e nada. Tive de preencher tudo. Um saco.
Nossa caminhada parecia um jogo de ultrapassar obstáculos. Aí veio o raio-x onde tivemos de voltar umas 4 vezes. Quase que deixei o velhinho pelado. Daí escuto no rádio.
“Olha só falta o passageiro que você tá acompanhando.” Eu “Pelo amor de deus. Não vai soltar o vôo antes de chegar!!!!” disse calmamente (até parece).
E aquele longo corredor que nos leva ao portão 23, parecia uma eternidade. E o senhor queria que queria puxar papo. Conversamos de tudo e um pouco. Disse que praticava artes marciais, que gostava de desenhar, disso daquilo e que amava conversar com idosos, menos naquele dia.
Enfim, 15 anos se passaram, chegamos no portão. Eu já com todos os documentos nas minhas mãos, destaquei o seu cartão de embarque: “1A”. Puxa, primeira classe. E ainda fui debochar: “O vovô tá bem hein? Deve ter um filho cheio da grana, né? Que legal.” Ele sorrindo o tempo todo, nem sei se ficou contente ou não com o que eu disse. Mas tudo bem. 
Ainda tinha um “finger” para descer, mas ainda bem que é uma descida. Doce ilusão. Nas descidas, eles tem mais medo e retardam a velocidade, o que tive de segurar a mão dele. A minha vontade era de o carregar no colo. 
Em dias normais, eu deveria ser bem mais amável com passageiros mais necessitados. Mas sabe aquele dia que você não deveria ter sonhado em acordar? Então.
Chegamos na porta 2 do Boeing 747-300 e a Chefe de Cabine nos aguardava. Fui até a poltrona dele, fiz ele sentar, devolvi todos os documentos e até afivelei o cinto dele, não sou um amor? Me despedi falando: “Boa viagem, hein vovô. Se precisar fazer xixi, é só apertar esse botão aqui, que alguém vem te buscar, tá?”
E ele: “Nunca fui tão bem tratado numa companhia aérea. Quero que fique com o meu cartão. Quando vier para o Japão, venha na minha casa.”
Eu com o pensamento: “Tá, tá.” e peguei o cartão e li...
“PRESIDENTE MUNDIAL DA HONDA”
...todo o cenário congelou. Um silêncio e podia ouvir apenas o batimento do meu futuro-ex-coração. Sem poder pensar em nada, eu cai de joelhos na frente dele. Não que eu quisesse, mas aconteceu. E em milésimos de segundos, todo o meu cérebro começou a procurar todos os termos altamente formais em japonês, para tentar consertar o que fiz até agora.
“Mil perdões, senhor. Mil perdões. Confesso que não estava num dia bom e sei que não há desculpas!!” e pensando naquela cartinha de cor parda, temida por todos os funcionários. A carta de demissão.
Mas ele, se curvou para frente e: “Levante o seu rosto...”(Não conseguia olhar na cara dele) “...você me atendeu de forma humana. Meus filhos, meus netos, falavam assim comigo, quando pequenos. Mas hoje, mesmo em ambiente privativo, me chamam de senhor-presidente. Sinto falta que me tratem como gente. Esses 8 rapazes que estão comigo, são da minha comitiva...” (eu sabia, seus MIBs do cacete!! Podiam ter me alertado, né?)
“...todos me tratam pelo meu cargo. A companhia aérea japonesa que sempre voei, me reconhecem em qualquer vôo, e me tratam pelo cargo. Sou humano e esse tipo de comportamento cansa demais. Mas você não se importou com o que sou...”(Eu não sabia) “...e pude matar a saudade, mesmo que por alguns minutos, o prazer de conversar com alguém, sem rótulos.”
Bom enfim, depois disso, fiquei sabendo que a empresa dele, fechou um contrato firme com a  Varig e qualquer membro de sua comitiva e o alto escalão da Honda, passariam a voar conosco. 
(Não recebi um tostão e quase tomei advertência, mas tudo bem)
Pessoas importantes, podem estar bem do nosso lado. Não veja pela roupa, nem pelo que ele conta (ou não conta). Trate qualquer ser humano, como se fosse da família. Não façam o que eu fiz. Tive sorte, mas poderia ter dado muito errado.
....porra, chamei o presidente da Honda de “vovô”...