03 janeiro 2011

Engano

De uns tempos para cá, um assunto vem me irritando. A Avaliação Anual de Sakes, realizado em diversos pontos do Japão. Lá são fabricantes de todos os cantos do país, que trazem as suas preciosidades, para confrontar os seus saquês com os outros produtores. Não é uma competição, para eleger “o melhor”.

A Avaliação, é definida em duas etapas. A primeira parte, é a geral, onde todos os produtores inscritos, expõem as suas bebidas, o que pode chegar a 1000 rótulos. Cada um tem o seu copo e próximo das garrafas, ampolas onde o examinador suga e despeja no seu copo e avalia. Como são muitos, deverá cuspir em um recipiente para isso. Em uma prancheta, é preenchido um formulário, onde existem campos sobre a análise visual, olfativa, gustativa e finalização.

Ao final, “sobem” para a próxima etapa, os produtores que conquistaram boas notas. E os que ficaram, podem levar um prêmio de consolação, o chamado “Nyûshou” ou “Indicado”. No dia seguinte, vão os finalistas. Novamente todo o ritual de degustação e os melhores ficam com o “Kinshô” ou “Medalha de Ouro”. Alguns podem merecer o “Guinshô” ou “Medalha de Prata”. Os produtores e a fabrica, são nomeados e diplomados no final do evento. Uma honra e felicidade para a marca, e festa ao retornarem para a cidade. O diploma é exposto em um lugar especial da fabrica.

E fora isso, tem os eventos como o Monde Selection e o Internacional Wine Challenge, onde os fabricantes se inscrevem os seus saquês. Quando conquistam os prêmios, chegam a mudar o rótulo e o estojo da bebida, estampando a conquista sem nenhuma discrição.

Até aí tudo bem. É um momento onde o produtor é avaliado, e se ele conquista a melhor posição, ótimo para ele. Entenderam? “Para ele”!!

Agora muitos não sabem, é que os saquês inscritos, são lotes especiais para a Avaliação, onde o consumidor não tem acesso para a compra. Então surge a questão. O que realmente o consumidor está bebendo? Quando se expõem que “aquele” saquê ganhou o prêmio, não é aquele exatamente, certo? Correto!! Então é uma enganação e uma politicagem que acontece. O que o consumidor acha, não é considerado. E quem são os avaliadores? Produtores? Claro que vão afirmar que o “seu” é o melhor.

A mesma coisa acontece em outros ramos da nossa vida. Um filme vencedor de várias estatuetas, não necessariamente, o público irá apreciar. Chefs e restaurantes premiados, nem sempre são bons. Estilistas, maquiadores, arquitetos, enfim, todos deveriam ser avaliados pelos resultados e não só pelo profissional.

A minha conclusão é: Os prêmios, pouco me importa. Prefiro saber, o que os consumidores no mundo gostam.

Um comentário:

Fábio Hideki Harano disse...

Aê, Tatsuya san!

Feliz ano novo! Tempo que não escrevo aqui neste blog.

Se um mesmo filme é muito elogiado pela crítica mas passa batido para o público, pelo menos é o mesmo filme.

Agora, essa situação do sake que você descreve é uma grande mentira! Isso é propaganda enganosa e, se uma grande denúncia for levada adiante e vencer as forças políticas que sustentam essa prática, podem ser obtidos processos, multas e pedidos formais de desculpas.

Quanto a outras áreas de atuação onde ações como essa também são feitas, posso falar do ensino e do Kendô.

No ensino é comum o sujeito que decora tudo para vomitar na prova. Uma semana depois não lembra de nada. Ou até lembra, mas não consegue pensar e usar o conhecimento, pois ele não foi aprendido. Foi só decorado. Mas sua nota alta está lá, bonita e pomposa. Belas vestes de um rei pelado. Ou, como também costumo dizer, um diploma que, ao ser enrolado, forma um canudo oco, sem recheio, sem conteúdo dentro.

Acontece que esse sujeito não é um só. São muitos e muitos. E como um professor vai ensinar a segunda etaa da matéria se parte relevante da turma só passou por passar e não aprendeu direito a primeira? Esse é um grande desafio do ensino no Brasil. Digo isso porque não tenho base para afirmar nada sobre outros países.

No Kendô uma pessoa pode mostrar uma luta respeitosa, elegante e bonita só no exame, para adquirir uma graduação. Uma vez obtida a certificação, nos treinos e campeonatos aparecem a truculência, a postura torta e o Kendô porradeiro, o "kenkadô".

"Mas, Harano, se a pessoa passou no exame mostrando um bom Kendô, isso significa que ela é capaz de lutar com classe!" - poderão me dizer. E eu respondo: "Mas é exatamente por ter essa capacidade que a pessoa não deveria perder a compostura! Não é falta de opção. Já que ela é capaz de fazer um Kendô correto, não deveria optar por uma "briga de galo", pelo "shônen Kendô" (como diria Kishikawa sensei), para com isso aumentar a chance de vencer combates no limar das regras e inflar o ego. Se é para lutar assim, é preferível nem lutar. O certo é lutar bonito, vencer bonito e perder bonito."

A verdade está aí. Ela é material e factual. O que falta é honestidade.

Até outra vez!