29 agosto 2008

Arte ou Arte de criar?


Outro dia fiquei folheando um livro japonês de 341 páginas, só de entradas que acompanham saquês. O livro era separado por ingredientes, como entradas feitas de nabo, pepino, espinafre, rabanetes, enfim uma porção de coisas uma mais gostosa que a outra. Isso sem falar no capricho da escolha dos recipientes, a montagem e a decoração.
Aí eu fiquei pensando. Se reparar em cada foto das comidas, o custo do prato, não deve passar os R$ 2,00. Em muitos restaurantes japoneses aqui no Brasil, "montam" os seus pratos colocando de tudo e do melhor. Iguarias que uma mastigada custa por volta de R$ 50,00. Muito bem produzido, cores em perfeito equilíbrio, uma verdadeira obra de arte. Pois é, uma obra de arte nós desejamos deixar intacta. Ou seja, o Chef de cozinha, estuda várias tendências de várias regiões do mundo, arquiteta o prato, manda importar ou fazer um prato com assinatura de um profissional de renome internacional, para que em questão de segundos desmanchem e acabem com todo o trabalho. Isso tudo em nome da Arte. A arte da gastronomia.
Tudo bem que de vez em nunca, temos o desejo de comer uma obra de arte e torrar o salário de uma vez só. Mas se for perceber que comer é um ato vital e necessário todos os dias, vamos ter que rever o conceito arte. Agora vem a pergunta. Então aonde devemos empregar a arte sem ter que globalizar os ingredientes e além de deixar o prato saboroso e acessível?
Fui à dois restaurantes aqui em São Paulo onde pude ver um grande contraste. O primeiro, fui recebido na porta por uma estupenda hostess que me conduziu ao balcão. Do nada um garçom já estava posicionado pronto para me atender com o seu PDA de pedidos. Antes que eu pudesse pedir alguma coisa, o rapaz muito educado começou a me oferecer um ótimo vinho e a sugestão do Chef. Com um domínio no menu e informações fartas, foi orientando o meu pedido. Talvez achasse que desconhecia da culinária, foi me falando prato por prato. Sem constranger o garçom, pedi o menu degustação. A partir daí, o garçon se retirou e o Chef me atendeu. Cada prato que ele me servia, explicava o conceito. A Arte que envolvia a comida e me induzia a sentir o que ele sentia. No total de 5 pratos, e uma dose de saquê que valia 2 garrafas, saí dali direto para o McDonald's, pois ainda estava com fome.
Um outro dia, fui conhecer uma casa totalmente diferente da primeira. Não fui atendido na porta, mas um caloroso e feminino "irasshaimasse" veio do balcão. A garçonete me ofereceu um lugar no balcão. Me acomodei e ela me serviu um copo d'água. Pedi o menu degustação e prontamente se retirou. Fiquei apreciando o saquê que eu pedi, quando os pratos começaram a chegar. Em porções generosas, bonitas mas acima de tudo muito saboroso. Mas havia ainda alguma coisa que faltava classificar, quando o Chef observou uma porção de pontos de interrogações na minha cabeça e me diz: " São ingredientes da estação, todos daqui do Brasil, inclusive os peixes". Pois é, isso eu já havia reparado. Mas não era isso. De repente o Chef: "Tomamos a liberdade de servir um menu que inventamos na hora. Reparei que estava um pouco cansado e abatido. Por isso, comecei com uma entrada de sopa, depois uma conserva salgada para abrir as papilas gustativas para preparar o paladar, uma porção de sashimi de peixe branco, uma carne e um filé de unagui para repor energias, um ossuimono (sopa feito de ichibandashi) para limpar a boca e um sorvete de azuki para acalmar os ânimos.
Este Chef, na verdade "cuidou de mim" com um carinho de mãe me alimentando. Além do atendimento além do esperado, usar ingredientes locais e transformar em um prato bonito e gostoso, isso sim é uma arte bem dosada. Além do preço custar 1/4 do primeiro, ganhei uma dose de saquê de cortesia.
Aí eu pergunto, que tipo de arte você degusta?

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